domingo, 22 de janeiro de 2012

A Nau Catrineta (cf À Beira do Lago dos Encantos, p.19 / edições ASA)



Lá vem a nau Catrineta
Que tem muito que contar!
Ouvide, agora, senhores,
Uma história de pasmar.


Passava mais de ano e dia
Que iam na volta do mar
Já não tinham que comer,
Já não tinham que manjar.


Deitaram sola de molho
Para o outro dia jantar;
Mas a sola era tão rija
Que a não puderam tragar.


Deitaram sorte à ventura
Qual se havia de matar;
Logo foi cair a sorte
No capitão general.

Sobe, sobe, marujinho,
Àquele mastro real,
Vê se vês terras de Espanha,
As praias de Portugal.


"Não vejo terras de Espanha,
Nem praias de Portugal;
Vejo sete espadas nuas
Que estão para te matar".

Acima, acima gajeiro,
Acima ao tope real!
Olha se enxergas Espanha,
Areias de Portugal

"Alvíssaras, capitão,
Meu capitão general!
Já vejo terra de Espanha,
Areias de Portugal.

Mais enxergo três meninas
Debaixo de um laranjal:
Uma sentada a coser,
Outra na roca a fiar,
A mais formosa de todas
Está no meio a chorar".

-Todas três são minhas filhas,
Oh! quem mas dera abraçar!
A mais formosa de todas
Contigo a hei-de casar.

"A vossa filha não quero,
Que vos custou a criar".

- Dar-te-ei tanto dinheiro,
Que o não possas contar.

"Não quero o vosso dinheiro,
pois vos custou a ganhar!

- Dou-te o meu cavalo branco,
Que nunca houve outro igual.

"Guardai o vosso cavalo,
Que vos custou a ensinar".

- Dar-te-ei a nau Catrineta
Para nela navegar.
"Não quero a nau Catrineta
Que a não sei governar".

Que queres tu, meu gajeiro,
Que alvíssaras te hei-de dar?

"Capitão, quero a tua alma
Para comigo a levar".

Renego de ti, demónio,
Que me estavas a atentar!
A minha alma é só de Deus,
O corpo dou eu ao mar.

Tomou-o um anjo nos braços,
Não o deixou afogar.
Deu um estouro o demónio,
Acalmaram vento e mar;
E à noite a nau Catrineta
Estava em terra a varar.

(Lenda recolhida por Almeida Garrett, a qual conta a viagem da nau portuguesa que, em 1565, transportava Jorge de Albuquerque Coelho para Lisboa. Há quem diga que esta história foi verídica e era contada pelo próprio Jorge A. Coelho, quando já idoso, se sentava frente ao mar, rodeado de amigos. in http://web.educom.pt/~pr2003/2000/decc/lendas/nau_catrineta.htm, 22-1-2012)

A Nau Catrineta

A Nau Catrineta é um poema romanceado por um anónimo, relativo às viagens para o Brasil ou para o Oriente. Segundo Almeida Garrett, o romance popular A Nau Catrineta terá sido baseado no episódio sobre o Naufrágio que passou Jorge de Albuquerque Coelho, vindo do Brasil, no ano de 1565, que integra a História Trágico-Marítima. Este poema, que Garrett incluiu no seu Romanceiro (1843-1851), foi bastante difundido pelos países setentrionais.
Diz a lenda que decorria o ano de 1565 quando saiu de Pernambuco a nau "Santo António" com destino a Lisboa, levando a bordo Jorge de Albuquerque Coelho, filho do fundador daquela cidade. Pouco depois de deixarem terra, avistaram uma embarcação que vinha na sua direção e que identificaram como um navio corsário francês, que pilhava os barcos naquelas paragens. Dado o alerta, pouco adiantou desfraldarem todas as velas, pois o "Santo António" tinha os porões demasiado carregados. A abordagem dos corsários foi rápida e eficaz: a nau foi saqueada com todos os seus haveres e deixada à deriva no mar sob o sol escaldante. Os tripulantes mais fracos ou feridos em combate foram morrendo de sede e de escorbuto e os que iam sobrevivendo não esperavam melhor sorte. O desespero apoderou-se dos marinheiros e um deles cheio de fome tentou arrancar pedaços de carne de um companheiro moribundo. Alertados pelos gemidos do homem, acercaram-se dele todos os sobreviventes, uns, para evitarem a ação desesperada, e outros, para nela participarem. Os ânimos estavam já muito exaltados, quando a voz de Jorge de Albuquerque Coelho se levantou, aconselhando-lhes calma e apelando para a sua dignidade de homens. Os marinheiros serenaram, enquanto a nau continuava à deriva. Por fim, foi avistada terra portuguesa, onde todos foram acolhidos e tratados. Conta-se que, muitos anos depois, Jorge de Albuquerque Coelho, já de idade avançada, se sentava em frente ao mar rodeado de amigos para contar a sua história que começava assim: "Lá vem a nau Catrineta, que tem muito que contar. Ouvi, agora, senhores, uma história de pasmar...".
in A Nau Catrineta. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-01-22]. Disponível na www: .

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