Ao lermos o prólogo da obra de Mário de Carvalho descobrimos que...
ENTRE A REALIDADE E A FICÇÃO
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Prólogo
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o narrador descreve o Beco fisicamente e
populacionalmente
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bairro popular, de origem muito antiga (talvez
antes dos Descobrimentos)
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as pessoas são muito apegadas ao beco, não gostam
de deixar o beco, mas foram saindo dele à medida que o tempo foi passando
(Descobrimentos, guerras)
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sentimos que o narrador gosta do beco e dos seus
habitantes
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alguns dos habitantes do beco foram figuras
ilustres (ex. o Dr. Aberracaz, o facultativo judeu, ignorado pela Inquisição,
com obra publicada, uma em hebraico e outra em latim onde o narrador foi
encontrar a expressão usada ainda hoje no beco “Convém não confundir género
humano com Manuel Germano”)
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este beco é um bairro típico/modelo de outros
bairros populares lisboetas
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o narrador tem a necessidade de ancorar as suas
histórias na realidade (Alfama, Mouraria, Torre do Tombo, Descobrimentos,
Grande Guerra…), mas também na ficção (não pode situar o beco num mapa, o
beco está em todos os bairros de Lisboa e em nenhum deles)
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Também percebemos a presença das três religiões monoteístas através da apresentação do doutor Aberracaz, o facultativo judeu, e dos restantes residentes do beco ao longo dos tempos. Algo que tende a enraizar o beco na realidade histórica dos bairros de Alfama e da Mouraria. O artigo publicado no jornal "Público" recorda-nos esse passado onde várias religiões conviviam no coração de Lisboa:
Mouraria, um bairro multicultural também na morte?
Na Mouraria encontraram-se
sepulturas islâmicas posteriores às cristãs. E seriam só cristãs? A joalharia
parece também apontar para o judaísmo...
João Pedro
Pincha
16 de
Novembro de 2019, 9:55
Era muito grande, foi usado
durante mais de um século e nele foram enterradas pessoas de vários credos e
origens geográficas, o que parece indicar que o cemitério da Mouraria espelhou
na morte a realidade da vida: um bairro onde conviveram diferentes comunidades
lado a lado.
O que há, para já, são
hipóteses de trabalho, ainda a requerer muito estudo, mas a descoberta de
sepulturas islâmicas e judaico-cristãs exactamente no mesmo local,
praticamente contemporâneas, aponta para uma “evidente multiculturalidade”
na Mouraria durante o século XV, à semelhança do que hoje acontece.
Já se sabia que na encosta da
Graça houve em tempos uma grande necrópole, aqui e ali entrevista através de
sondagens e escavações arqueológicas. A construção de um condomínio na esquina
entre a Rua dos Lagares e a Calçada do Monte permitiu uma escavação de
maiores dimensões.
Os arqueólogos identificaram,
primeiro, 71 sepulturas muçulmanas, provavelmente datadas do fim do século XV e
início do XVI. Por baixo havia outra necrópole, bastante maior, com 259 túmulos
que podem ter origem cristã ou judaica.
Que haja enterramentos
cristãos e/ou judaicos datados do século XV é relativamente expectável, embora
também eles levantem muitas interrogações. Que haja enterramentos islâmicos
depois disso é mais surpreendente. “É uma necrópole muçulmana num país
absolutamente cristão”, sublinha Miguel Lago, da Era Arqueologia, empresa
responsável pelos trabalhos.
Os enterros islâmicos são
fáceis de identificar porque os cadáveres são depositados de lado, virados para
Meca, ao contrário dos de tradição judaico-cristã, em que os indivíduos
recolhem ao eterno descanso de barriga para cima. As sepulturas cristãs
assumiam ainda, muitas vezes, uma forma antropomórfica “para garantir que a
cabeça do morto não virava para Meca”, explica a antropóloga e arqueóloga Lucy
Evangelista.
Não foi ainda possível
determinar com exactidão os períodos em que ambas as necrópoles foram criadas e
estiveram em uso. O que está bem datado são as lixeiras em que elas assentavam.
Naquela zona havia uma intensa actividade de oleiros, memória que ainda hoje
persiste na toponímia. Todo aquele terreno foi usado inúmeras vezes como
depósito do lixo originado pelas olarias e a sua datação permite balizar
temporalmente as necrópoles.
Começando pela islâmica. “A
Inquisição instala-se na década de 1530, por isso é pouco provável que seja
posterior a esse período”, diz Marina Pinto, coordenadora científica da
escavação. Nessa necrópole, há ainda “alguns indícios que remetem para a
presença de africanos da África subsariana”, acrescenta ainda.
Trata-se de “uma série de
indivíduos que se destacam pela enorme robustez do esqueleto e características
morfológicas do crânio” e que apresentam também “inúmeras modificações
dentárias”, esclarece Lucy Evangelista. “Este grupo contém alguns adolescentes
que são absolutamente gigantescos”, sublinha. Quem seriam? “Podem não ser
escravos”, opina Hermenegildo Fernandes, investigador de História Medieval na Universidade
de Lisboa. “Estão integrados num cemitério civil, normal, não me parece que
fossem escravos”, sustenta Lucy.
Joalharia é chave
“Há uma continuidade de
enterramentos na zona. O facto de haver enterramentos islâmicos não implica que
não houvesse enterramentos judaicos e cristãos”, afirma Hermenegildo Fernandes,
destacando que a área escavada “não corresponde à totalidade do cemitério” e
que só futuras escavações poderão deitar mais luz sobre o assunto. “Ainda não
pensámos o suficiente sobre tudo o que estas coisas querem dizer”, alerta o
historiador, que ainda assim deixa algumas pistas: “A ideia de segregação das
comunidades é relativamente tardia. A separação física é uma coisa do século
XV.”
Segundo os relatos da época, quando D.
Afonso Henriques tomou Lisboa, em 1147, haveria na cidade tantos
muçulmanos como cristãos, e depois disso muita população islâmica por cá ficou,
instalando-se sobretudo nos arrabaldes – como a Mouraria, que deve o seu nome
precisamente a isso.
“Há uma fluidez de culturas”,
diz Lucy Evangelista, que noutra escavação encontrou enterros islâmicos com
brincos e colares, algo proibido na religião muçulmana, e que atesta a
aculturação das populações. “Do ponto de vista cultural as coisas não são
estanques. Há muitos cristãos que usam loiça muçulmana. A corte usa panos de
seda feitos em Granada”, exemplifica Hermenegildo Fernandes. “Há marcas
identitárias, mas isso não quer dizer que não houvesse coisas que se
partilhavam no quotidiano. Existe uma permeabilidade entre universos religiosos
e culturais.”
Se isso é verdade na vida,
sê-lo-á também na morte. E o mesmo se aplica à necrópole maior, a mais antiga.
“Será só cristã ou só judaica? Será que há cristãos e judeus ao mesmo tempo?”,
questiona Miguel Lago. A dúvida advém sobretudo da “multiplicidade de
características comuns aos dois preceitos”, mas também porque foi encontrado
“um conjunto de jóias absolutamente inacreditável”, nas palavras de Lucy, que
parece apontar para alguma presença de judeus.
“Temos indivíduos enterrados com brincos,
colares e anéis”, diz. Há ainda objectos que se prestam a mais do que uma
interpretação, como o pendente em forma de mão, que está associado à religião
judaica (mão de Miriam) como à religião islâmica (mão de Fátima). “A joalharia
é um quebra-cabeças. São poucas coisas, pode ser que sejam judaicas, mas
precisam de ser estudadas”, diz Hermenegildo Fernandes. Esse é um dos desafios
imediatos para a Era.
O objectivo do historiador é
levar adiante um projecto de estudo das necrópoles e sua comparação com outras
congéneres, em Portugal e no estrangeiro. Há ainda, no seu entender, três
questões por responder: qual era a dimensão total do cemitério; de que forma é
que estava relacionado com as olarias; quem é que lá está enterrado.
In https://www.publico.pt/2019/11/16/local/noticia/necropole-mouraria-1893957,
consultado a 16-11-2019.
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